O juízo crítico é solúvel em álcool: a bebida e o uso de outras drogas

Certa vez, em conversa entre amigos psicólogos ouvi um jargão “psicanalítico” bastante interessante: “o superego é solúvel em álcool”. Para aqueles que não sabem, na Psicanálise o Superego corresponde a uma instância responsável pela contenção dos impulsos do Inconsciente, de modo que sem ele seríamos controlados por nossas pulsões mais primitivas e viveríamos em um completo caos social. Pois então, o Superego seria o grande responsável por você não ligar para sua ex-namorada quando bate aquela saudade e não se arrepender depois, ou por censurar seus palavrões mais cabeludos para aquele parente que te enche o saco!

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“Medo” e “Nojinho” do filme “Divertidamente”

No campo da dependência e abuso de substâncias, o álcool é muita das vezes fator deflagrador de recaídas em outras drogas. Por exemplo, a relação entre álcool e cocaína é nítida para grande parte daqueles envolvidos no uso ou no tratamento deste tipo de problema. A associação é tão grande que um dos fármacos prescritos por psiquiatras para o tratamento de um problema com cocaína é o Dissulfiram, também conhecido comercialmente como Anti-etanol. Esta medicação funciona como uma medida de controle para desestimular a ingestão alcoólica porque, caso o indivíduo beba, ele irá experimentar uma série de desconfortos físicos. A despeito de qualquer polêmica sobre o uso desta medicação no tratamento, a experiência mostra que promovendo abstinência de álcool as chances de recaídas em cocaína, crack e outras substâncias reduzem. Por que meios isso acontece?

O álcool reduz o juízo crítico

Vamos trocar a metáfora psicanalítica por uma explicação biológica. Onde se lê “o superego é solúvel em álcool” leia-se “as regiões cerebrais responsáveis pelo controle de impulsos são deprimidas em razão do uso de álcool”. Sim! Isso mesmo! O álcool é uma droga depressora do sistema nervoso central. Embora você possa perguntar: “Mas quando eu bebo eu fico feliz, animado, não deprimido… Não entendi!”.

Como substância depressora, ela deprime, ou seja, reduz a atividade de algumas regiões cerebrais. Imagine que você tenha várias regiões cerebrais, algumas responsáveis pelo raciocínio lógico, outras pelo controle de impulsos, percepção de risco, coordenação motora… Cada uma com sua função distinta passará a ter sua “chave desligada” à medida que o nível alcoólico aumenta.

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Em razão disso, o indivíduo passará a ficar menos medroso, perceber menos riscos em situações onde existe ou deveria haver, ficar mais impulsivo, com dificuldade de antecipar consequências desastrosas do próprio comportamento, entre outras coisas. Por consequência relaxará e ficará mais propenso a fazer “bobagem”…

O indivíduo que possui um problema com outras substâncias, quando alcoolizado, pode pensar em buscar a droga e não ter condições de avaliar e perceber os reais problemas envolvidos na sua atitude, ou seja, pode não “parar para pensar”! Pode permanecer flertando com a possibilidade de usar a droga, com a memória de prazer envolvida no consumo destas substâncias e se arriscar. É muito comum a pessoa descrever recaídas deste tipo com frases como “quando vi, estava lá comprando” ou “quando vi, estava lá usando”.

O álcool é par de drogas excitatórias como cocaína e crack

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Se por um lado o álcool pode ser considerado uma substância depressora, por outro lado, cocaína, crack, anfetaminas entre outras substâncias são consideradas excitatórias, ou seja, elas aumentam a atividade de várias regiões cerebrais. O que quer dizer que se o indivíduo estiver bastante alcoolizado, drogas excitatórias podem restabelecer o nível de vigilância, ou se ele estiver muito “travado” com uma droga excitatória, o álcool pode diminuir esta sensação.

Intuitivamente, o usuário de cocaína, por exemplo, passa a fazer uso de álcool para diminuir alguns dos efeitos colaterais dela, bem como potencializar e prolongar o prazer da substância, assim como a pessoa que gosta muito de beber pode passar a fazer uso de cocaína para ter condições de se restabelecer, inclusive dar conta de beber mais e por maior tempo. Uma droga passa a ter a função de regular e moderar os efeitos da outra.

O álcool pode ter sido gatilho para o uso destas outras substâncias anteriormente

Além do que já expomos anteriormente, quando se faz uso de alguma substância repetidamente sob algumas circunstâncias e condições, estes contextos passam a “convidar” para se fazer uso em ocasiões futuras. Isso quer dizer que se com frequência faço uso de cocaína quando bebo, me sentirei “convidado” a fazer uso novamente quando beber. Dizemos que o álcool se tornou gatilho para o uso de cocaína, assim como para o fumante o cafezinho pode incitar a vontade de acender um cigarro. Embora não possamos dizer que beber sempre levará ao consumo de uma outra substância que esteve associada a ela previamente, podemos dizer com precisão que no jogo das probabilidades, a probabilidade de se fazer uso aumentará em razão das associações estabelecidas e outros fatores relacionados!

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“Mas será que devo parar de beber? Não quero parar de beber.”

Para alguns a solução de moderar pode ser muito atrativa neste contexto e talvez dê certo, mas para outros pode ser um autoengano e arriscar-se a jogar com a sorte. Estabelecer um limite pessoal de álcool quando ele não é o problema primário não é tarefa muito fácil e sujeita o indivíduo a repetir vários erros nesta busca.

Se a frase “aprecie com moderação” não necessariamente representa uma solução neste contexto, a escolha sobre parar de beber pode ser uma decisão difícil de ser tomada. O peso da expressão “para a vida inteira” é grande e pode deixar algumas pessoas inertes para tomar a iniciativa. No entanto, se visualizarmos um prazo mínimo para estabelecer uma mudança de atitude em relação à bebida, a meta pode ficar mais alcançável do que dizer “para o resto da vida” para aqueles que não se sentem preparados. 1 mês, 3 meses, 6 meses, 1 ano ou o conhecido “só por hoje” podem ser prazos mais animadores e realistas dependendo da pessoa e da extensão de seu problema.

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