É certo afirmarmos que o dependente químico precisa chegar ao fundo do poço para se conscientizar que tem um problema e que precisa de ajuda? Afirmações dessa natureza estão difundidas em nosso meio social e frequentemente encontramos defensores dessas ideias. Porém, ao questionarmos o embasamento dessas alegações, percebemos que elas estão normalmente enraizadas na falta de conhecimento e em uma visão preconceituosa do assunto.
Existiu por muito tempo a ideia de que a abordagem e o tratamento de pessoas que apresentavam problemas relacionados ao consumo de substâncias psicoativas deveria envolver métodos coercitivos de tratamento. Parte destes métodos procurava aumentar sentimentos de culpa e vergonha naqueles indivíduos que, teoricamente, faltavam nesses aspectos.
Em geral, os métodos coercitivos compartilham de uma visão deturpada sobre o usuário de droga. Tratam ele como uma pessoa com desvio de caráter, sem ética ou sem princípios correspondentes aos “cidadãos de bem”. A partir da compreensão do uso de substâncias como um comportamento aprendido, sujeito às leis comuns de estabelecimento e modificação do comportamento, muito se evoluiu em relação ao tratamento e entendimento desse transtorno.
O fundo do posso tem um alçapão
Quando você acha que não é possível ficar pior, acredite: é possível. Existe um fenômeno de habituação às consequências negativas do uso de substâncias. Como geralmente os problemas são graduais, situações que no princípio da época de uso seriam inaceitáveis para o usuário, acabam se tornando naturais e possíveis de convivência. Primeiro vem um descontrole financeiro, depois o endividamento, depois a perda do emprego. Primeiro uma briga com a esposa, depois sair de casa, depois o divórcio. A pessoa acaba se habituando e situações cada vez mais graves vão se sucedendo em um fundo do poço que parece nunca terminar.
Faz sentido pensar que uma pessoa que apresenta problemas relacionadas ao consumo, mas ainda tem um emprego, boas relações com filhos e familiares, um relacionamento afetivo sólido, etc., terá mais facilidade para conseguir uma recuperação do que alguém que perdeu todos esses recursos. A motivação para a mudança não se restringe à cena dramática do fundo do poço, mas pode surgir da percepção do desvio que a pessoa está tomando em relação a seus valores mais importantes de vida.
Não negamos que as consequências aversivas do uso controlam em certa medida o comportamento. Existe sim essa relação importante e devemos nos atentar a ela no tratamento, mas não devemos restringir a isso a abordagem do problema e nem esperar o problema agravar para buscar ajuda. Quanto antes identificarmos o problema, mais provável será a recuperação.
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