“Não é a falta do desejo de usar que produz a abstinência, mas sim a abstinência leva a diminuição do desejo de usar”
Iniciar e conduzir o processo de abstinência em relação ao uso de alguma droga é um processo complicado e multideterminado. Diversos são os fatores que podem contribuir para o sucesso ou fracasso em alcançar tal objetivo. Dentre esses aspectos normalmente se percebe um enfoque, muitas vezes exagerado, na questão do desejo de uso. Mas, qual seria o papel desse desejo em todo o processo de abstinência?
Não é raro ouvirmos pessoas dizendo que para um usuário conseguir ficar livre das drogas é imprescindível que primeiro ele não queira mais usar. Se essa afirmação for verdadeira, significa então dizer que a abstinência não será possível ou o tratamento estará fadado ao fracasso se o usuário desejar usar a droga?
A resposta para essa questão é “não”! Primeiramente, o desejo de usar uma substância é muito subjetivo e pode sofrer influência de diversos fatores. Assim, por mais que uma pessoa esteja fortemente engajada em seu processo de “ficar limpa” pode em alguns momentos experimentar um desejo intenso de consumir a droga, o que poderíamos classificar como uma “fissura”. Isso acontece, como já explicamos em outros textos, devido a provavelmente o sujeito estar entrando em contato com elementos que foram previamente relacionados com o seu uso, tais como: pessoas usuárias, lugares de uso, sentimentos e situações desagradáveis, etc.
Mais do que isso, o desejo de usar a droga não é diretamente controlável. Isso não quer dizer que a pessoa não consegue resistir, mas que não consegue impedir o seu surgimento. Assim, se o marcador de sucesso for não sentir desejo de usar a substância, o processo estará fadado ao fracasso. Esse desejo surgirá em diversos momentos e não será impeditivo da abstinência.
Sustentar esse ponto não significa dizer que o desejo de usar será constante e intenso para o resto da vida. Absolutamente não! Apesar de não ser diretamente controlável, atitudes que tomamos e mudanças que implementamos podem contribuir para a diminuição da ocorrência desses desejos, bem como uma redução em sua intensidade.
O desafio do início do processo de abstinência
O início do processo de abstinência tende a ser uma fase bastante complicada e intensa. Podemos esperar que no primeiro mês (ou nos primeiros meses) o sujeito provavelmente experienciará mais intensamente o desejo pelo uso e sentimentos contraditórios, pendendo ora para a abstinência, ora para a recaída. Isso é normal e esperado. Nessa fase a ligação com a droga ainda está muito intensa e viva, o organismo ainda não se adaptou à proposta da mudança. Reações próprias da síndrome de abstinência e fissuras são mais prováveis e a mudança no estilo de vida ainda não está tão consolidada. Assim sendo, o desejo de usar provavelmente ocorrerá.
Com o tempo, à medida em que essa mudança começa a se estabilizar e, dependendo da forma como o processo de abstinência vai sendo conduzido, é provável que o desejo de usar reduza drasticamente. Suponhamos, por exemplo, uma pessoa que se afastou do uso há seis meses. Se afastou também de velhos hábitos e pessoas associadas com a droga, encontrou um emprego que lhe faça bem, reaproximou de pessoas importantes, estabeleceu novos vínculos, continua frequentando um tratamento, se conectou a seus valores fundamentais, enfim, estabeleceu uma mudança consistente. É provável que essa pessoa sinta cada vez menos o desejo de usar. Ao contrário de outra pessoa que interrompeu o uso, mas permaneceu com a mesma rotina e os mesmos hábitos de sempre. Nesse caso a recaída é provável, assim como o surgimento frequente do desejo de usar.
Dizemos com isso que devemos buscar enfocar naquilo que está sob o nosso controle, nas atitudes que podemos tomar e nas mudanças que podemos implementar. O surgimento do desejo de usar uma droga não é possível de ser diretamente influenciado, mas é uma situação que podemos modificar dependendo da forma como conduzimos o processo de ficar sem ela.
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