Um dos vários símbolos atrelados à figura do dependente químico no imaginário social é a de que ele é um ser invariavelmente mentiroso. A visão é corroborada por vários meios, dentre eles, pelos próprios dependentes em recuperação.
Negar que a mentira faça parte do cotidiano do dependente de substâncias é ignorar a realidade. A mentira, assim como a omissão, está presente na vida de qualquer pessoa e faz parte do nosso dia a dia. Em certa medida elas são necessárias para nossa sobrevivência social. Se falássemos a verdade para tudo e todos, ou não omitíssemos absolutamente nada, estaríamos fadados ao fracasso na nossa vida social e nas outras esferas que dela dependem. No entanto, quando a serviço da manutenção do uso de substâncias, a mentira pode se tornar uma ferramenta muito nociva.
Nas mentiras que são contadas por um usuário de substâncias é comum ouvir que não fez uso, que não resta mais droga para se usar, histórias que justifiquem um gasto ou a necessidade de um dinheiro extra, entre outras… As mentiras, em geral, têm duas funções: ou evitam alguma forma de punição ou visam oportunizar a aquisição e o uso da droga no futuro.
Sobre evitar punições, uma omissão ou mentira “bem contada” têm o poder de esconder um uso de álcool ou drogas que por ventura deixaria outra pessoa bastante decepcionada, com raiva ou preocupada com o usuário. De outra maneira, elas podem inibir a tentativa de alguém exercer controle sobre a pessoa que está em uso, seja este controle mais coercitivo ou não.
Já repararam, por exemplo, o que acontece quando alguém está querendo retomar um namoro que todos à sua volta estão “carecas de saber” que não vale a pena insistir? Muitas vezes, a pessoa não conta para ninguém, mas vai assim mesmo. Ela evita que outros tentem controlá-la ou que a repreendam por seus desejos ou iniciativas de “recaída”.
É justamente por impedir a interferência dos outros e garantir a manutenção do uso da substância que as mentiras e omissões passam a ser estratégias amplamente empregadas, aumentando em frequência e também em complexidade no repertório de um indivíduo dependente.
Falar que não vai usar mais e acabar usando não necessariamente é uma mentira. O dependente pode acreditar piamente naquilo que acaba de dizer naquele momento, mas não dispor de meios e estratégias para sustentar adequadamente sua palavra em face aos desafios surgidos. Trata-se de um erro de cálculo, muitas vezes embaraçoso e difícil de explicar.
Por outro lado, dizer aquilo que o outro quer ouvir como, por exemplo, “o primeiro passo é aceitação da impotência diante da droga” pode se assemelhar muito a uma mentira. Dar respostas prontas, assim como mentir, pode ter a função de evitar punição! Eventualmente, o que a pessoa realmente gostaria de dizer seria algo como “ainda tenho dúvidas se eu preciso parar de usar drogas. Gosto muito de ficar ‘doido’!”. Aqui, uma questão importante é o papel que o interlocutor exerce neste contexto! Quanto mais fechado ele está a ouvir o que o usuário de substâncias tem a falar, julgando, criticando ou ameaçando, maior a chance do usuário não ser “verdadeiro” com ele.
Quando o relacionamento com um dependente passa a ser permeado por mentiras, as pessoas podem se sentir muito tentadas a desmarcara-lo a todo instante. A família entra num jogo de “gato e rato” exaustivo para ambas as partes. Sentimentos de raiva, pena e carinho se confundem. Nesta situação, o contato com profissionais que possam avaliar e orientar a família sobre como proceder pode ser um diferencial na evolução do paciente.
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