Para aqueles que nunca se envolveram – direta ou indiretamente – com o uso de drogas pode parecer estranho como os indivíduos continuam a consumir mesmo quando têm vários problemas decorrentes deste uso. É frequente no discurso do senso comum ideias de que o uso continuado ocorre em razão de falta de “força de vontade para parar” ou de “falta de vergonha na cara”. Porém, a questão do porquê as pessoas se mantém usando drogas é mais profunda e requer um olhar mais atento para o tema.
Um grande desafio no tratamento do transtorno por uso de substâncias reside exatamente nesse ponto: não é fácil identificar quais circunstâncias estão relacionadas com a ocorrência e manutenção dos nossos comportamentos.
Partimos do princípio de que todos os comportamentos exercem alguma função, assim também o é no caso do consumo de drogas. Não se trata de justificar ou desresponsabilizar o usuário, mas compreender mais empiricamente seu comportamento e conseguir elaborar estratégias de tratamento mais efetivas e eficazes.
O início do uso
É relativamente simples identificarmos quais as circunstâncias estão relacionadas com o uso inicial de alguma substância. Para tanto, devemos tentar compreender o contexto no momento da experimentação.
Geralmente, a situação de usar pela primeira vez uma substância psicoativa como álcool, maconha, tabaco ou cocaína está relacionada a um contexto social. As circunstâncias de ordem social são fatores importantes na determinação do uso, embora não sejam as únicas. Dificilmente ouvimos relatos de pessoas dizendo que a primeira vez que usaram determinada substância, o fizeram sozinhas.
Ao incorrer no uso o sujeito experimenta os efeitos intrínsecos e próprios da substância. Tal sensação por si só já pode ser suficiente para aumentar as chances do sujeito procurá-la novamente em situações semelhantes. Porém, essa não é a única consequência produzida pelo uso!
Visto que o contexto social incentiva que a pessoa experimente a substância, é provável que ao consumi-la esse mesmo grupo demonstre aprovação ao sujeito, situação que pode ser sentida como extremamente agradável e desejável que ocorra no futuro. É comum que, até mesmo quando a pessoa experimenta os efeitos desagradáveis decorrentes do uso, como mal-estar físico, o grupo social demonstre aprovação e contentamento.
Dizemos então que num primeiro momento o uso de substâncias psicoativas está normalmente relacionado a situações prazerosas e que tanto os efeitos próprios da droga como o sentimento de aprovação do grupo são sensações buscadas. Mas essas não são as únicas consequências e funções da droga. Com o tempo, passamos a perceber que consumir aquela droga em um contexto específico pode nos ajudar a lidar com sensações e situações incômodas de um jeito muito prático e rápido.
A evolução do uso
Usar a droga como uma ferramenta para lidar com sentimentos incômodos ou nos afastar de situações desagradáveis é um comportamento que denominamos de fuga/esquiva. Assim, quando somos jovens, por exemplo, podemos beber em festas para lidar com nossa timidez e nos sentirmos um pouco mais “corajosos”. Ou então, bebemos para lidar com uma dor emocional muito intensa ou com estressores do dia a dia. Quem já utilizou desse recurso pode ter percebido que, apesar de problemas que poderão surgir em um segundo momento, essas são estratégias que possuem alguma efetividade momentânea.
Percebe-se na evolução do consumo de alguma substância psicoativa, de um uso esporádico para o uso abusivo ou dependência, que esse padrão de uso como forma de fuga/esquiva se torna cada vez mais frequente na rotina do sujeito. É comum até que haja uma importante transformação de contexto: aquele consumo que antigamente se dava em festas e com amigos, agora acontece quase sempre em isolamento.
Existe ainda um grande risco quando ocorre a associação entre um padrão de uso como forma de fuga/esquiva e um contexto conturbado na vida da pessoa (que pode ter sido influenciado pelo consumo da substância). Por exemplo, situações de perda de emprego, separação conjugal, morte de um ente querido, estresse profissional, etc., podem ser situações que tornarão cada vez mais forte o padrão de consumo. Queremos dizer com isso que existe muito mais a se considerar do que apenas o fator químico da dependência.
Por que dizer então que o padrão é funcional e adaptativo?
Quando dizemos então que o uso de drogas é funcional estamos nos referindo ao fato de que ele cumpre uma função no contexto específico daquele indivíduo. Seria incoerente pensar que o sujeito permaneceria no uso se esse comportamento não lhe trouxesse nenhuma consequência “desejável”. Normalmente, tais comportamentos cumprem até mais de uma função e, mesmo trazendo prejuízos a médio e longo prazo, suas consequências mais imediatas de alívio e prazer têm maior poder sobre a determinação de sua ocorrência.
Considerar o uso de drogas como adaptativo nada tem a ver com a ideia de trazer algum bem físico ou mental. Apenas consideramos com isso que, dentre todas as habilidades que a pessoa possui para lidar com algumas situações, talvez o uso de droga seja aquele comportamento que mais rapidamente “resolva o problema”.
Pensar a partir dessa perspectiva nos permite entender melhor os porquês dos sujeitos permanecerem no uso, mesmo tendo prejuízos importantes em praticamente todos os setores da sua vida. Desmistificar o uso de drogas é o primeiro passo para uma compreensão mais clara desse complexo fenômeno.
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