Mulheres e dependência química – sem maquiagem

Amy Winehouse morreu por excesso de álcool

Amy Winehouse morreu por excesso de álcool

Historicamente, os estudos sobre a dependência química foram iniciados e desenvolvidos tendo como parâmetro a relação que os homens adultos estabelecem com as diversas drogas. Ainda hoje, grande parte da produção científica sobre a dependência e os tratamentos disponíveis são pensados a partir das características do curso do transtorno no homem. O resultado disso é que muito do que se diz sobre a dependência química na mulher, por exemplo, sobre como “elas viciam mais facilmente”, é, na verdade, nada mais que uma mistura de mitos e preconceitos.

Existem diferenças significativas entre homens e mulheres usuários de drogas,  que vão desde as motivações para o uso até as características do tratamento. Mulheres usuárias enfrentam uma variedade de situações às quais o homem desconhece, ou vivencia em menor escala, dentre elas:

  • O julgamento moral – o abuso de substância psicoativas é comumente descrito como uma falha moral ou um sinal de fraqueza. Ainda hoje reproduzimos esse discurso em diversas situações. Contudo, esta concepção tem sido repensada e a dependência, hoje em dia, é vista como um transtorno psiquiátrico, não como sinônimo de desvio de caráter ou fraqueza. Embora a associação entre dependência química e falha moral esteja perdendo força, o julgamento moral retorna com força total quando se fala das mulheres. Ao ser percebida como dependente pela sociedade, a mulher tem sua imagem imediatamente ligada à promiscuidade, irresponsabilidade, imoralidade e incapacidade de cuidar dos filhos. Frases insinuando que a mulher é “sem vergonha” ou que “homem bebendo já é feio; mulher, então, é ainda mais” são facilmente detectadas em conversas informais. Somado ao assédio moral, há uma questão ainda mais delicada: a questão sexual.
  • A questão sexual – Tanto homens quanto mulheres estão sujeitos a comportamentos sexuais de risco quando sob efeito de drogas, que vão desde praticar relações sexuais sem uso de preservativo até a exposição a situações extremas, como prostituir-se em troca da possibilidade de conseguir mais droga ou acabar sendo vítima de abuso sexual por estar mais vulnerável. Os relatos de usuárias de drogas ilícitas que já receberam proposta de pagar a droga com sexo são inúmeros. E, embora tais propostas sejam feitas também a homens, a disparidade da frequência em que isso ocorre é significativa e emblemática da diferença de trato que as mulheres estão sujeitas em nossa cultura.

Cena de “Requiém para um sonho”

  • Organismo feminino – Embora haja carência de estudos sobre a diferença dos impactos das diversas drogas em cada gênero, algumas diferenças sobre o uso de álcool podem ser apontadas. Mulheres possuem menor quantidade de água no corpo e uma maior concentração de gordura, o que faz com que a concentração de álcool no sangue seja maior ainda que consumindo a mesma quantidade de bebida que um homem. Elas também possuem menos álcool desidrogenase, enzima que metaboliza o álcool. Em decorrência disso, o fígado é sobrecarregado e a chance delas desenvolverem uma doença hepática aumenta.

Outros sintomas que atingem as mulheres são interrupção das menstruações, o aumento dos sintomas da tensão pré-menstrual, a queda na fertilidade e a menopausa precoce. Tais fatores geram impacto sobre a mulher, não só em termos de sua saúde como também em termos de seu planejamento familiar, do eventual desejo de ser mãe e constituir família, da relação com os filhos, etc.

  •  Gravidez – Paralelamente às diversas mudanças ocorridas no papel da mulher no último século, vem crescendo também o número de mulheres em plena idade reprodutiva que consomem substâncias psicoativas. O uso de drogas durante a gestação muito frequentemente não é identificado ou é subestimado porque é comum a gestante negar o uso. Os principais motivos que levam a gestante a este ato de omissão são semelhantes àqueles que justificam a sua não-adesão aos tratamentos para dependência química: medo de haver consequências legais/penais, medo do julgamento depreciativo por parte da sociedade, constrangimento, etc.

Apesar das dificuldades de levantar dados, há associações entre o uso de álcool, tabaco, cocaína e maconha e diversas complicações na vida do recém nascido, tais como: retardo no crescimento intra-uterino, disfunções no sistema nervoso central distúrbios de aprendizado e do sono, risco aumentado de óbito da mãe e aborto.

Cena de "Verdades Secretas"

Cena de “Verdades Secretas”

  • Família – Os problemas mais comuns que acometem usuários de droga do sexo masculino são de ordem legal ou profissional enquanto as mulheres adquirem mais problemas de saúde física e familiares, algo intimamente relacionado ao papel social que os gêneros desempenham em nossa cultura. Há também o despreparo da família para lidar com a dependência de um modo geral, ainda maior quando a dependente é uma mulher. Tal fato, dentre outras coisas dificultam a busca por tratamento.

 Tratamentos

A grande maioria dos tratamentos para uso e abuso de substâncias foram criados visando o curso do transtorno no homem. Há uma carência de profissionais e serviços especializados em tratamentos que atendam às especificidades do gênero feminino.

Além das dificuldades em encontrar tratamento de qualidade, que atinge ambos os gêneros, o papel social da mulher cria dificultadores ainda maiores, como por exemplo, a vergonha e a exposição (medo de ser rotulada pela sociedade como “viciada”), o medo de perder a guarda dos filhos, a dificuldade de encontrar apoio prático (alguém para cuidar dos filhos durante o período em que a mulher estiver em tratamento), dentre outros.

Mulheres na Cracolândia em São Paulo

Mulheres na Cracolândia em São Paulo

A dependência química não é um fenômeno facilmente explicável. Fatores como gênero, classe social, idade e etnia por vezes possuem uma estreita relação com o curso da doença. Pensar em formas de prevenir e combater o abuso de substâncias é, também, refletir sobre o modo como os papéis sociais se estruturam e que “papel” a droga ocupa nesse cenário.

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