O processo de interrupção do uso de substâncias psicoativas pode ser uma jornada complexa, cheia de desafios e situações conflitantes. Aquele que se propõe a tal objetivo pode se encontrar, por diversas vezes, confuso entre motivações ambivalentes e sentimentos contraditórios.
Isso é bastante normal e esperado no tratamento. Durante muito tempo a droga (lícita ou ilícita) ocupou um importante papel na vida da pessoa. Buscar um novo estilo de vida no qual ela não mais faça parte é um processo de mudança intenso e profundo e, como tal, implica em dúvidas, incômodos e transformações.
Assim sendo, é comum que, mesmo que a pessoa esteja motivada para não usar a substância, ainda assim tenha pensamentos sobre ela e sinta desejo de consumi-la. Pode parecer um pouco contraditório, mas o desejo de consumir a droga e os pensamentos sobre a mesma não dependem exclusivamente da vontade da pessoa, tampouco estão sob controle da mesma.
Mas como assim eu não controlo os meus desejos e pensamentos?
Podemos considerar que nossos pensamentos e sentimentos são produtos das situações que vivenciamos. Assim sendo, é provável que uma pessoa que tenha uma história de uso de determinada substância lembrará e desejará a mesma em situações que foram previamente associadas ao consumo. Os gatilhos ocasionam tais sentimentos e pensamentos, independentemente da vontade da pessoa.
Lembre-se: não temos total controle sobre os nossos pensamentos e sentimentos, mas podemos exercer controle sobre nosso comportamento.
Se eu penso sobre a droga e sinto vontade de usá-la significa que estou falhando no tratamento?
Absolutamente não! É provável que todos aqueles que se propuserem a interromper o uso tenham fissuras e pensamentos sobre a substância. Na verdade, por mais que sejam ocasiões desagradáveis, de certa forma é desejável que elas ocorram.
Situações nas quais nos recordamos e desejamos a droga são, provavelmente, situações nas quais a droga cumpria um papel em nossas vidas, como uma espécie de ferramenta ou aliada. Passar por elas sem incorrer no uso causará certo grau de desconforto e incômodo, mas também nos possibilitará o desenvolvimento de habilidades fundamentais.
Para que se consiga interromper o uso da droga, é necessário mais do que apenas a força de vontade. É fundamental que se desenvolva um novo modo de lidar com as dificuldades e desconfortos do cotidiano.
Não devo então focar meus esforços no controle desses sentimentos e pensamentos e nem me recriminar por tê-los?
Exatamente. Isso pode se mostrar um esforço improdutivo e frustrante. Devemos buscar reagir de forma diferente àquela que estamos acostumados quando essas situações ocorrerem. Assim, conseguiremos quebrar as associações existentes entre tais situações e o uso da droga, tornando menos provável que tenhamos pensamentos sobre ela e vontade de usá-la no futuro.
Lembre-se sempre: situações de desconforto e fissura são oportunidades para o crescimento e, cada vez que passamos por ela sem usar, estamos nos fortalecendo no processo de busca pela abstinência.